segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Quem tem pai tem tudo, ou crônicas água-lindenses

A intenção era começar este post ontem, quando cheguei do plantão. Mas o início ia ser uma sequência tão enfadonha de palavrões que preferi respirar fundo antes. Afinal, só um carma muito, muito pesado pode explicar o que foram as 36 horas de plantão que eu dei no Goiás essa semana.
Quando a quarta-feira começou o caos e assim se arrastou, eu nem me assustei muito. Águas Lindas de Goiás é um município com mais de 200.000 habitantes, com as mais limitadas opções de lazer possíveis - ouso dizer, sem medo de errar, que o cinema mais próximo é o do Alameda Shopping. Daí que em dias quentes como os últimos, há quem curta a ideia de ir ao hospital local fazer um checápe. É o SUS funcionando ao contrário.
Ok, nada demais. Nem me espantei com a doida do Voltaren, que me apareceu 00h30 de quinta. Mas essa fica pra próxima. 
Mas domingo. Sério, domingo me pareceu um aviso pessoal contra meus pecados passados ou futuros. Começou nublado, bom sinal. MAS euzinha era a única médica no recinto. Já citei que Águas Lindas tem mais de 200.000 habitantes?


Tudo ia muito bem até umas 17h40 (o plantão terminava às 19h) quando me chega um paciente que depois se mostrou uma complicação atrás da outra. Long story short, o paciente me fez uma puta hipertensão intracraniana -  que basicamente é um cérebro inchado demais pro espaço confinado e ósseo do crânio. Enquanto ele vomitava em jato (sim, em jato é a denominação, que se mostrou muito correta), minha cabeça funcionava assim:
"Ai, pqp, meu padim cícero, mas precisava disso AGORA? Ok, vamos lá. Hipertensão intracraniana a gente trata com:
a) cabeceira elevada a 30º. Tá, essa é fácil.
b) Manitol, pra secar o cérebro. Ih, mas não tem manitol! SEM PÂNICO (já tava em pânico há muito tempo) temos a outra opção que é...
c) Hiperventilação. Ai, caralho (não deu pra evitar). Pra hiperventilar, eu tenho que por um tubo na garganta do cara. Pra por o tubo, tem que sedar. Se sedar, perco todo o parâmetro clínico. 
É... danou-se."


Liguei pro meu pai. Ainda dei um solucinho.
Eu: *snif* PAAAAI, o cara, pai, eu tenho certeza, certezinha que ele tá herniando, a PA dele tá 230 x 160 e ele tá com nistagmo e eu SIMPLESMENTE NÃO SEI O QUE FAZER!
Pai: Dá o que tiver aí pra reduzir o inchaço. E a pressão.
Eu:  É o que? Mas a pressão não tem que ficar altinha e blábláblá...
Pai: Eu sei que vc sabe o que tá fazendo. 


(Foi nessa hora, mais ou menos, que chegou a menina com a mão decepada e, alguns minutos depois - pq o cosmos tava só de sacanagem moderada comigo - o plantonista noturno. Ufa.)


Tá. 1000 mg de hidrocortisona EV + 25 mg de captopril sublingual + fenobarbital 1 ampola IM (ele tava com movimentos coreicos, uma loucura). Subi na ambulância 18h45. 19h15 tava batendo na porta do Hospital de Base. 


Lindo: paciente estável, sem movimentos esquisitos, pressão excelente, falando, orientadinho. Só com muita dor de cabeça. Eu tava mesmo muito orgulhosa do meu trabalho, desfilava como uma obra prima, doida pra mostrar! Mas... cadê o Neurologista?


Chegou às 20h20, num mau humor... junto com meu paizão, que entrou leve e faceiro no hospital, olhou pro paciente, olhou pra mim e disse: "E não é que vc tirou o cara dessa?"


É. Tirei mesmo. Graças a ele, que foi cavalheiro o suficiente pra deixar os méritos todos pra mim. E ainda me trouxe um hamburguer de filé que minha mãe tinha preparado pra eu comer no caminho de volta pro Goiás, enquanto o Neurologista ficava emburrado com o paciente, tentando entender de onde a Hidrocortisona tinha saído. 

Um comentário: